Nas últimas décadas, a indústria de data centers tem enfrentado uma transformação significativa: crescimento super acelerado e seus impactos em relação à responsabilidade ambiental. Anos atrás, a principal métrica de eficiência que dominava as discussões no setor era o PUE (Power Usage Effectiveness), indicador criado para medir a eficiência do uso de energia considerando a energia total consumida versus a energia efetivamente usada pelos equipamentos de TI. O indicador é simples: quanto menor o PUE, maior a proporção de energia sendo usada diretamente por cargas de TI, como servidores, em vez de sistemas auxiliares, como refrigeração ou iluminação. Como os custos de energia podem significar mais de 25% do custo de um data center ao longo de sua vida, a redução do PUE foi a primeira métrica a ser perseguida.
Com o tempo, porém, outras preocupações geraram a necessidade de avaliar-se o ciclo de vida dos data centers por outros ângulos. Uma instalação com excelente desempenho energético poderia ainda assim ser altamente ineficiente em outros aspectos ambientais. Houve o surgimento e à adoção de novas métricas, como o CUE (Carbon Usage Effectiveness), que mede o volume de emissões de carbono associadas ao funcionamento do data center. Por exemplo, um data center que se utiliza de energias renováveis tende a oferecer um CUE mais baixo e, consequentemente, um menor impacto ambiental.
Hoje, uma nova preocupação vem ganhando força: o uso da água. O WUE (Water Usage Effectiveness), ou WER (Water Efficiency Rating), surgiu como uma resposta à necessidade de medir e otimizar o consumo de água dos data centers. Muitas vezes, a busca pela eficiência energética pode levar a adoção de soluções que aumentam significativamente o consumo de água de uma instalação. Mais recentemente, a escalada da capacidade computacional, impulsionada por cargas de trabalho como inteligência artificial e o crescimento exponencial da demanda por data centers, ampliou seu potencial impacto, especialmente em regiões com escassez hídrica.
Um exemplo público recente foi a interrupção da implantação de um data center de grande porte do Google no Chile em 2024. A razão, era estimado que o projeto que gastaria mais de 7 bilhões de litros de água por ano.
O uso da água nos data centers
Apesar de menos debatido, o consumo de água sempre esteve presente nas operações dos data centers, particularmente nos sistemas de refrigeração de instalações de grande porte. A água pode ser utilizada de diferentes formas, a depender da tecnologia adotada. Seu papel é auxiliar na troca de calor entre o ambiente onde se encontram os servidores e o ambiente externo. Esta troca de calor pode utilizar-se de diferentes tecnologias: torres de resfriamento evaporativas, sistemas adiabáticos, chillers com condensação a água ou soluções com circuito fechado.
Entre essas tecnologias, os sistemas adiabáticos ganharam popularidade por apresentarem excelente desempenho energético, especialmente em climas secos e quentes. No entanto, esse tipo de sistema depende diretamente do uso de água para reduzir a temperatura do sistema utilizando a evaporação de parte da água para reduzir a temperatura de uma forma que garante a o baixo uso de energia. Foi possivelmente um cenário como esse o observado no Chile, quando o Google enfrentou críticas públicas e resistência governamental ao seu projeto de expansão, justamente pela alta demanda de água em uma região com desafios hídricos severos.
Casos assim colocaram em evidência a urgência de soluções de compromisso com alternativas mais sustentáveis. Ainda que sistemas baseados em circuito fechado de água ou mesmo em refrigeração totalmente a ar não tenham, em geral, o mesmo nível de eficiência energética dos adiabáticos, eles representam caminhos promissores para reduzir drasticamente o impacto hídrico — especialmente quando aliados ao uso de “free cooling” em ambientes mais temperados e as tecnologias de recuperação de calor ou resfriamento direto em chip (direct-to-chip liquid cooling) que permite algumas vezes o uso de dry coolers.
Caminhos sustentáveis para o futuro
A tendência global é clara: data centers precisarão continuar crescendo, mas seu potencial impacto ambiental precisa ser pensado. Em termos de água, a adoção de sistemas com mínimo consumo hídrico, incluindo tecnologias que utilizam água reciclada, reuso industrial ou até mesmo sistemas híbridos, está se consolidando como o novo padrão aceitável em projetos de alta responsabilidade socioambiental.
Ao que tudo indica, o WER (ou WUE) tem tudo para se tornar um requisito básico para a operação de novos data centers. Equilibrar desempenho, consumo energético e uso responsável da água será essencial para que o setor mantenha sua trajetória acelerada de crescimento.
Companhias líderes já começam a declarar metas públicas de uso zero de água potável em suas instalações, enquanto investidores e governos observam cada vez mais de perto o desempenho ambiental dessas infraestruturas críticas. No Chile o Google, após o contratempo inicial, reviu seus planos e agora propõe um novo design com uso super eficiente de recursos naturais mostrando que existem caminhos claros para conciliar o progresso e as preocupações da sociedade.
Com tudo isso, uma coisa é certa, o consumo de água não será no futuro um ofensor ou impeditivo ao crescimento no setor.
Respondendo a pergunta inicial: não, não temos um problema.